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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Texto: Vista Cansada, de Otto Lara Rezende.


Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isso: o modo de ver.
O diabo é que de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não vendo.
Experimente pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você saí todo dia, pór exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que você vê no seu cmainho, você não sabe. De tanto ver, você não vê.
Sei de um profissional que pasosu 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom dias, às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer. Como ele era? Sua cara? Sua voz ? Como se vestia ?
Não fazia a menor idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve de morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém desse por sua ausência.
O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver: gente, coisa, bichos. E vemos? Não, não vemos!
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo.

"O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê.
Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe as pampas."

Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, ficam opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

Texto: Visita Cansada, de Otto Lara Rezende.

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